sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Ficção e história deságuam em Bath


A cidade oferece um
banho de mitologia
paisagismo e arquitetura
embalado pelo frescor da
atmosfera rural inglesa.

por Raphaella de Campos Mello
No século XVII, as vielas de Bath, cidadezinha do sudoeste da Inglaterra, situada a 190 km de Londres, conviviam com o burburinho de médicos, charlatões e populares, even­tualmente sobressaltados pelo estrondo das carruagens, em cujo interior nobres e membros da família real mantinham a discrição. Pobres e ricos buscavam saúde e lazer, já que ali estão localizadas as únicas fontes de águas termais da Grã-bretanha. No entanto, a vocação de cidade-spa, até hoje relacionada a Bath, seria anunciada muito antes por um príncipe leproso que encontrou a cura em suas águas, como descreve a mitologia celta.

Seu nome era Bladud, o filho mais velho do rei celta Lud. Certo dia, quando vivia exilado por causa de sua doença nas cercanias da atual Bath, observou os por­cos chafurdarem na lama e depois terem suas feridas cicatrizadas. Notou, então, que sob a poça jorrava uma fonte de água quente. Após banhar-se naquele lamaçal, curou-se da lepra por volta de 860 a.C. Em gratidão, já na condição de rei, construiu um templo no local dedicado à deusa Sul, marco da fundação da cidade.

Mas foram os romanos os responsáveis por colocar a então Aquae Sulis na rota dos peregrinos, atraídos pelas supostas fontes terapêuticas. Mestres em incorporar elementos das culturas de seus adversários, logo que chegaram na cidade, no século I, criaram um grande santuário sobre a fonte miraculosa em homenagem a deusa Sulis Minerva, alusão a entidade celta SuI. Os vestígios da presença romana em solo bretão continuam sólidos no Museu dos Banhos Romanos, a amostra em melhor estado de conservação de um spa do mundo antigo, aberto para visitação.

O complexo de banhos conserva piscinas de vários tamanhos, ao ar livre ou cobertas. Algumas emitem nuvens de vapor de água que chegam a embaçar as lentes das câmeras. O museu ainda exibe centenas de objetos de ouro e prata, bem como 12 mil moedas romanas, outrora usados como oferendas para a divindade. Entre os achados arqueológicos destacam-se as mensagens gravadas em folhas de metal, enroladas e jogadas na fome, onde, segundo a crença popular, repousava o espírito da deusa Minerva.

Sob o pátio do antigo templo está o Pump Room, sofisticado salão de chá do século XVIII, ate hoje em funcionamento. Colada ao complexo encontra-se a abadia de Bath, onde Edgar foi coroado (rei em 973 d.C. A catedral esteve nas mãos dos anglo-saxões e, posteriormente dos normandos até que, em 1499, passou a exemplificar a magnitude da arquitetura gótica inglesa.

As construções de pedra cor de mel dão à cidade uma tonalidade adocicada, um convite tentador, como se pedisse para ser explorada a pé. A opulência dos edifícios georgianos em estilo classico oitocentista, com fachadas de linhas simétricas e elegantes colunas, são um banho para os olhos. Inspirado no Coliseu romano, o arquiteto Jonh Wood construiu entre 1740 e 1750 urn conjunto de 33 casas dispostas em círculo, o chamado Circus, famoso cartão postal.

Bem perto dali, seu filho e também arquiteto John Wood Junior idealizou o refúgio perfeito para a alta sociedade da época, o Royal Crescent. As 30 mansões geminadas em forma de meia-lua debruçam-se sobre um gramado à frente do Royal Victoria Park, onde há um belo jardim botânico. Mais ao sul está a versão inglesa da Ponte Vecchio italiana, a Pulteney Bridge, sobre o rio Avon. A construção do século XVIII abriga lojas de 250 anos e, nas redondezas, restaurantes de várias nacionalidades.

O viajante não deve se espantar se um trecho dos romances de Jane Austen (1775-1817) assaltá-lo em alguma esquina. A escritora, autora do célebre Orgulho e preconceito (1813), viveu em Bath de 1801 a 1805.